Agência Fiocruz de Notícias
Domingo, 22 de fevereiro de 2009
A violência, que se tornou um problema social de grandes dimensões nos nossos dias, já estava presente na pré-história. Achados arqueológicos, como armas e esqueletos com lesões específicas, sustentam essa afirmação. Evidências inequívocas de violência praticada por nossos antepassados são raras, mas uma dessas provas indiscutíveis acaba de ser encontrada por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz. Trata-se de um esqueleto com uma ponta de flecha encravada em uma vértebra da coluna lombar. A equipe da bioarqueóloga Andrea Lessa, do Departamento de Endemias Samuel Pessoa da Ensp, localizou esse osso no acervo do Museu do Homem do Sambaqui, em Florianópolis.
A origem do esqueleto é o sítio arqueológico da Armação do Sul (SC), cuja ocupação teve início há 2.600 anos. Este é o quinto osso com uma ponta de flecha encravada encontrado no Brasil. Os outros quatro também foram achados em Santa Catarina: dois em Joinville e dois em Florianópolis. Acredita-se que o osso localizado pelos pesquisadores da Ensp seja o mais antigo. As primeiras análises indicam que a violência foi praticada por outro grupo que vivia no litoral, e não por uma população do interior. “A ponta da flecha foi confeccionada em osso, o que era típico das populações litorâneas. Os grupos do interior produziam pontas líticas”, explica Andrea.
Em sua última ida ao Museu do Homem do Sambaqui, ela estudou cerca de 200 esqueletos ou partes de esqueletos, a maioria deles com datação próxima ao ano 1000 da nossa era. A principal linha de pesquisa da bioarqueóloga é sobre traumas agudos – acidentes e violências – em populações pré-históricas litorâneas do Brasil. O trabalho de Andrea ajuda a entender como era o cotidiano das populações antigas, sobretudo no que diz respeito à convivência e ao cotidiano.
Utilizando, basicamente, os acervos do Museu do Homem do Sambaqui e do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela estuda, principalmente, os povos que habitaram o litoral de Santa Catarina e do Rio de Janeiro, tanto os grupos mais recentes, de pescadores-coletores, como as populações construtoras de sambaquis – montes feitos com conchas e outros sedimentos sobre os quais as pessoas viviam. Os sambaquis existiram, mais ou menos, desde seis mil anos atrás até o ano 1000 da Era Cristã.
De modo geral, Andrea tem verificado que a freqüência de violência e acidentes entre esses povos não era alta. “Quanto aos acidentes, não existe um padrão de fratura que se repete nos esqueletos. Existem, sim, exemplares polifraturados, o que levanta a suspeita de que os episódios eram, em sua maioria, quedas durante as muitas caminhadas em terrenos acidentados, como os costões rochosos, paisagem típica dos litorais fluminense e catarinense”, diz.
Em seu mestrado e doutorado, feitos na Esnp, Andrea estudou povos que habitaram oásis no deserto do Atacama, no Chile. “A freqüência de violência entre essas populações antigas do Atacama é bem superior a que venho observando nas pesquisas sobre os grupos brasileiros dos sambaquis”, revela. A bioarqueóloga tem duas hipóteses preliminares para explicar a diferença: aspectos puramente ideológicos, que responderiam por uma forma de vida mais agressiva no deserto do Atacama, e os recursos naturais abundantes no nosso litoral.
“No Brasil, até hoje, apesar da progressiva degradação ambiental, ainda temos uma abundância de recursos. Na época dos sambaquis, certamente, a disputa por recursos naturais, sobretudo marinhos, não justificaria freqüentes embates violentos”, lembra. “No Atacama, a situação foi e é diferente. Estamos falando de um deserto, onde a escassez de água e alimento poderia ser a causa de conflitos”, argumenta.
No comments:
Post a Comment