Vítor Oliveira Jorge
14 de Junho de 2007
Lista Archport \ Blog Trans-ferir
seteiras... para tiros no pé
Como se sabe, o Prof. Mário Barroca, da minha faculdade (Faculdade de Letras da Universidade do Porto), é um especialista em arquitectura militar medieval (ver uma postagem no meu blog - http://trans-ferir.blogspot.com/ - referente às provas de agregação dele).É inspirados nessa arquitectura ou afim que certos colegas meus da Pré-história recente cismaram que sítios como Los Millares (Almería, Espanha) e Zambujal (Estremadura portuguesa) - que consideram como tendo uma motivação bsaicamente militar, defensiva, o que lhes dá uma razão para o empenhamento em obras de tão grande vulto numa época "primitiva" - possuiam "seteiras", nome que dão a uma série de "ocos" construídos na parede de estruturas sub-semi circulares, a que vulgarmente, devido à mesma tradição, chamamos "bastiões".Mas o curioso é que, mesmo em muitos sítios ou sub-estruturas de sítios (chamemos-lhes assim) medievais, como as torres de menagem, se começa a compreender que elas tinham um carácter não só defensivo, como essencialmente simbólico (a imponência); que muitas nem carácer defensivo podiam ter; e que as seteiras, para o ser, teriam de ter determinado espaço associado a cada uma: campo de tiro (espaço onde pudesse estar um homem a disparar) e campo de mira (espaço para onde o qual um homem disparava).Claro que há que, também aqui, ter em conta a complexidade do assunto.Mas um arco pré-histórico não era um brinquedo; era um objecto grande. Exigia também ele espaço; e, para ser eficaz, nunca podia ser utilizado de dentro de um "bastião" através de uma "seteira" tipo Millares/Zambujal, para mais havendo uma série de aberturas desse tipo a curta distância umas das outras. A simples hipótese de tal acontecer é do domínio da comicidade, revela ou despoleta humor, para além de mostrar uma enorme falta de senso comum.Mas Mário Barroca, a quem agradeço que me complete e corrija se tiver paciência, disse também que as torres de menagem dos castelos, dispositivo mais cristão que muçulmano - torres essas que eram essencialmente um dispositivo simbólico, e talvez de observação a distância (imagino eu), o que seria já uma interessante forma de "poder" sobre o território - constituiriam uma autêntica "armadilha para ratos", quer dizer, se o castelo fosse tomado e se um senhor fosse cercado na torre com a sua soldadesca, teria pouca possibilidade de sair de lá vivo.Também, dentro de uma linha humorística, podíamos pressupor que tais torres (e nós também por analogia falamos de "torres" em sítios monumentais calcolíticos de altura, como Castelo Velho ou Castanheiro doi Vento) poderiam servir para suicídio, dada a altura de algumas...Estas ridículas concepções funcionalistas não são só ridículas se aplicadas ao passado, mas relevam da mais chã perspectiva das coisas quando aplicadas ao presente: há alguma coisa, alguma arquitectura, estritamente funcional? Então não é qualquer objecto, de um lápis ou caneta, até uma cidade inteira, um dispositico semiológico, polissémico? Meu Deus, por vezes para ver mais claro não é preciso ir buscar lentes sofisticadas, basta limpar dos olhos as ramelas que, persistentemente, não deixam ver o óbvio e que toda a gente já sabe.Insistir em dogmas é... dar tiros no próprio pé.A pré-história é um conjunto de mitos. E podia não ser. Noutras postagens irei tentando referir-me, com o humor possível, a muitas ridicularias e histórias de encantar que as pessoas confundem com verdades ou pelo menos verosimilhanças. Aliás, um dos temas mais interessantes para um doutoramento era pegar nas "imagens de recontituição da pré-história" (panfletos, cartazes, a chamada informação para o "grande público") e ver a ideologia subjacente... a que aliás o meu blog já aludiu de forma discreta, inserindo certos cartazes... que falam por si.Nas suas provas, o Prof. Mário Barroca prestou homenagem a Carlos Alberto Ferreira de Almeida, que teve como professor no segundo ano do seu curso (variante de arte e arqueologia, na altura, do curso de História), a quem chamou um mestre extraordinário, cativante, que o "levou" para a Idade Média e em particular para a arqueologia medieval. E acrescentou que tinha sido tão fascinado no ano anterior pelas aulas de Pré-história de Susana Oliveira Jorge que pensou seriamente dedicar-se à chamada Pré-história.Não vou dizer que foi pena que o não tenha feito, porque uma pessoa tem de escolher um caminho e os outros de respeitar essa escolha. Mas, dedicando-se às fortificações medievais, em toda a sua complexidade e polissemia, aquele autor também nos ajuda a pensar outros campos e outras matérias. Um bom produto do conhecimento é sempre um valor transponível para outros campos de pesquisa. O que nos falta em Portugal são muitos bons produtos e muitas pessoas que sejam capazes de fazer essas transposições, o que às vezes, a partir de uma investigação e reflexão sérias, é apenas constatar o óbvio.Por isso, certos estudiosos da pré-história não perderiam tempo em ter assistido a estas provas.
14 de Junho de 2007
Lista Archport \ Blog Trans-ferir
seteiras... para tiros no pé
Como se sabe, o Prof. Mário Barroca, da minha faculdade (Faculdade de Letras da Universidade do Porto), é um especialista em arquitectura militar medieval (ver uma postagem no meu blog - http://trans-ferir.blogspot.com/ - referente às provas de agregação dele).É inspirados nessa arquitectura ou afim que certos colegas meus da Pré-história recente cismaram que sítios como Los Millares (Almería, Espanha) e Zambujal (Estremadura portuguesa) - que consideram como tendo uma motivação bsaicamente militar, defensiva, o que lhes dá uma razão para o empenhamento em obras de tão grande vulto numa época "primitiva" - possuiam "seteiras", nome que dão a uma série de "ocos" construídos na parede de estruturas sub-semi circulares, a que vulgarmente, devido à mesma tradição, chamamos "bastiões".Mas o curioso é que, mesmo em muitos sítios ou sub-estruturas de sítios (chamemos-lhes assim) medievais, como as torres de menagem, se começa a compreender que elas tinham um carácter não só defensivo, como essencialmente simbólico (a imponência); que muitas nem carácer defensivo podiam ter; e que as seteiras, para o ser, teriam de ter determinado espaço associado a cada uma: campo de tiro (espaço onde pudesse estar um homem a disparar) e campo de mira (espaço para onde o qual um homem disparava).Claro que há que, também aqui, ter em conta a complexidade do assunto.Mas um arco pré-histórico não era um brinquedo; era um objecto grande. Exigia também ele espaço; e, para ser eficaz, nunca podia ser utilizado de dentro de um "bastião" através de uma "seteira" tipo Millares/Zambujal, para mais havendo uma série de aberturas desse tipo a curta distância umas das outras. A simples hipótese de tal acontecer é do domínio da comicidade, revela ou despoleta humor, para além de mostrar uma enorme falta de senso comum.Mas Mário Barroca, a quem agradeço que me complete e corrija se tiver paciência, disse também que as torres de menagem dos castelos, dispositivo mais cristão que muçulmano - torres essas que eram essencialmente um dispositivo simbólico, e talvez de observação a distância (imagino eu), o que seria já uma interessante forma de "poder" sobre o território - constituiriam uma autêntica "armadilha para ratos", quer dizer, se o castelo fosse tomado e se um senhor fosse cercado na torre com a sua soldadesca, teria pouca possibilidade de sair de lá vivo.Também, dentro de uma linha humorística, podíamos pressupor que tais torres (e nós também por analogia falamos de "torres" em sítios monumentais calcolíticos de altura, como Castelo Velho ou Castanheiro doi Vento) poderiam servir para suicídio, dada a altura de algumas...Estas ridículas concepções funcionalistas não são só ridículas se aplicadas ao passado, mas relevam da mais chã perspectiva das coisas quando aplicadas ao presente: há alguma coisa, alguma arquitectura, estritamente funcional? Então não é qualquer objecto, de um lápis ou caneta, até uma cidade inteira, um dispositico semiológico, polissémico? Meu Deus, por vezes para ver mais claro não é preciso ir buscar lentes sofisticadas, basta limpar dos olhos as ramelas que, persistentemente, não deixam ver o óbvio e que toda a gente já sabe.Insistir em dogmas é... dar tiros no próprio pé.A pré-história é um conjunto de mitos. E podia não ser. Noutras postagens irei tentando referir-me, com o humor possível, a muitas ridicularias e histórias de encantar que as pessoas confundem com verdades ou pelo menos verosimilhanças. Aliás, um dos temas mais interessantes para um doutoramento era pegar nas "imagens de recontituição da pré-história" (panfletos, cartazes, a chamada informação para o "grande público") e ver a ideologia subjacente... a que aliás o meu blog já aludiu de forma discreta, inserindo certos cartazes... que falam por si.Nas suas provas, o Prof. Mário Barroca prestou homenagem a Carlos Alberto Ferreira de Almeida, que teve como professor no segundo ano do seu curso (variante de arte e arqueologia, na altura, do curso de História), a quem chamou um mestre extraordinário, cativante, que o "levou" para a Idade Média e em particular para a arqueologia medieval. E acrescentou que tinha sido tão fascinado no ano anterior pelas aulas de Pré-história de Susana Oliveira Jorge que pensou seriamente dedicar-se à chamada Pré-história.Não vou dizer que foi pena que o não tenha feito, porque uma pessoa tem de escolher um caminho e os outros de respeitar essa escolha. Mas, dedicando-se às fortificações medievais, em toda a sua complexidade e polissemia, aquele autor também nos ajuda a pensar outros campos e outras matérias. Um bom produto do conhecimento é sempre um valor transponível para outros campos de pesquisa. O que nos falta em Portugal são muitos bons produtos e muitas pessoas que sejam capazes de fazer essas transposições, o que às vezes, a partir de uma investigação e reflexão sérias, é apenas constatar o óbvio.Por isso, certos estudiosos da pré-história não perderiam tempo em ter assistido a estas provas.
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